Para economistas, arcabouço terá de ser e parecer muito crível para levar a juro menor

20 de março de 2023

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O quadro inflacionário que se instalou no País nos primeiros dois meses do ano em nada contribui para o Banco Central (BC) começar a cortar a taxa de juro de imediato. Mais que isso, ela tira do arcabouço fiscal que o governo deve divulgar nos próximos dias – ou até mesmo horas – o poder de persuasão que o mercado acredita que o novo marco teria para convencer a autoridade monetária a antecipar o ciclo de afrouxamento monetário.

Economistas ouvidos pelo Broadcast afirmam não enxergar no novo arcabouço fiscal solução para todos os problemas de ordem econômica que levam o BC a manter a Selic no atual nível, de 13,75% ao ano. Dentro do governo, especialmente entre os ministérios do campo econômico, é corrente a expectativa de que o novo marco fiscal vai agradar ao mercado e levar o BC a, pelo menos, sinalizar para a queda da Selic.

Para atingir este status de persuasão sobre o Comitê de Política Monetária (Copom), não basta ao novo arcabouço fiscal ser apenas exequível. Ele terá de parecer e muito que é crível, diz o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini.

Ele calculou que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que nos meses de janeiro e fevereiro acumulou uma alta de 1,37%, corresponde a 42% do centro da meta de inflação – de 3,25% para este ano – e a 18% da meta cheia, que vai de 1,75% a 4,75% para 2023.

“Com esse quadro inflacionário, ao arcabouço fiscal não basta ser crível. Terá de parecer muito crível para convencer o BC a afrouxar a sua política monetária”, reforça Agostini, para quem a desconfiança do mercado quanto ao novo marco fiscal tem raízes no histórico mais gastador dos governos petistas sob a chancela de social.

Flexibilização
Para o ex-diretor de Política Monetária da autarquia Aldo Mendes, com ou sem marco fiscal o BC vai ter de reduzir os juros. O aperto monetário, na avaliação dele, está muito forte e as empresas enfrentam dificuldades para obterem capital de giro.

“As [Lojas] Americanas tornaram tudo ainda pior pois o setor varejista e seus fornecedores, principalmente os menos capitalizados, estão numa situação difícil. Por fim, a fragilidade demonstrada por parte do sistema financeiro americano recentemente pode reduzir o ímpeto do Fed [Federal Reserve, o BC dos EUA] em continuar o aperto monetário por lá”, diz. “Nesse quadro, acredito que o BC, se não reduzir os juros em maio, pelo menos vai sinalizar fortemente que o fará.”

O ex-diretor diz ainda não achar que o ajuste fiscal que vem por aí será muito contundente, mas afirmou entender que é preciso que haver alguma coisa, ainda que para ajudar na narrativa do BC – que precisa de uma para não parecer que simplesmente cedeu à pressão do Planalto.

“O ajuste fiscal, mesmo que fraco, servirá também para contentar parte do mercado financeiro, que tem ideia fixa nesse ajuste e não sabe falar de outra coisa”, ironiza o ex-diretor do BC.

Tripé
A economista-chefe de Brasil da Galapagos Capital, Tatiana Pinheiro, tem pensamento parecido com o de seu colega da Austin Rating quanto ao arcabouço fiscal não ser apenas crível, mas parecer crível.

O ideal, segundo ela, seria que o novo marco fiscal fosse o mais crível possível e que levasse as pessoas acreditarem que o governo vai controlar os gastos públicos ao longo do tempo.

“Não sei se chega ao ponto de compararmos o marco fiscal à mulher de César [Pompeia, casada com o ditador romano Júlio César] porque, além das regras fiscais, o BC quer ver os efeitos defasados da política monetária se concretizando na economia e a ancoragem das expectativas para os próximos anos. Mas o ideal seria que o marco fiscal fosse o mais crível possível”, diz a economista.

E um arcabouço fiscal crível, segundo a literatura econômica, pontua a economista da Galápagos, tem de estar firmado sob um tripé composto por: simplicidade, cláusulas de flexibilidade e gatilhos que imponham penalidades ao governo que infringir as regras. A simplicidade para que todos entendam com clareza o arcabouço fiscal, como todos entendiam o teto de gastos. As cláusulas de flexibilidade, segundo a economista, se fazem necessárias para que em horas de calamidades, como foi a pandemia do coronavírus, o governo possa promover os gastos públicos necessários para atender a população afetada.

Ao mesmo tempo, um bom marco fiscal, de acordo com Pinheiro, precisa ter gatilhos que imponham custos aos governos que vierem desobedecer as regras fiscais. “Isso é um bom marco fiscal, segundo a literatura”, afirma.

Para Agostini, ainda que o novo arcabouço fiscal seja robusto, se ele não passar a confiança de que a política fiscal não sofrerá ingerência do Poder Executivo, o BC não se verá em condições de reduzir a Selic.

“Se as regras fiscais continuarem sendo minadas por políticas expansionistas transvestidas de políticas sociais, vai ser muito difícil o BC se sentir seguro para começar a reduzir a Selic”, prevê o economista-chefe da Austin Rating.

Na avaliação do industrial, ex-deputado federal e ex-secretário paulista dos Transportes Metropolitanos, Alexandre Baldy, é preciso que o novo arcabouço fiscal traga sim credibilidade ao mercado financeiro porque, goste-se ou não, é o mercado que gera na sociedade o sentimento e a percepção do momento econômico.

Fonte: Broadcast+

Contato: francisco.assis@estadao.com